quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A PAIXÃO PELA DROGA






Como gostamos de nos apaixonar! Dependente gosta ainda mais.
Sem paixão tudo parece morto, sem graça. Não há frenesi, nem adrenalina correndo solta. Tudo que um adicto quer é adrenalina, custe o que custar. Sua insatisfação interior é tão grande, o mundo externo tão difícil que paga o alto preço da derrocada física e mental para ter ou um pouco de esquecimento (alcoolismo), um pouco de paz e relax (maconha) ou um pouco de excitação (cocaína).
O coração dispara ao ver o causador da paixão, do suor nas mãos. O papelote de coca, o cigarro enrolado em papel fino, um copo com a garrafa ao lado, de preferência.
Causador da paixão...
Paixão causa dor, enlouquecemos, perdemos os parâmetros, não enxergamos a pessoa, ou o que a catalisa. Na verdade ela se torna um meio e não um fim. Não é importante, embora nos pareça a situação mais importante do mundo, única e insubstituível. A droga é única e insubstituível. Princípio, meio e fim. Em si mesma.
Vemos apenas a paixão. Enganamo-nos dizendo que é um rosto, um olhar, um copo, um bagulho qualquer...
Não é nada disso, é apenas uma emoção sedutora tique taqueando dentro de nós, acelerando o sangue, tirando o sono. Tornando-nos escravos de um tilintar de telefone, de um traficante, de um bar ou qualquer local que venda bebida. Mais bonito do que qualquer castelo, paisagem, companhia.
Relações morrem quando a paixão se acaba.
Pessoas maravilhosas tornam-se insuportáveis. Também pudera! Nós jamais a conhecemos realmente.
Não conseguimos vê-la, o véu apaixonado encobria nossos olhos e tínhamos apenas sentidos. E, na maior parte das vezes, o pior de todos: o possuir, o reter. Queremos que o motivo de nossa paixão seja apenas nosso, que se esqueça de sua vida, de sua vontade, que se torne um prolongamento de nosso desejo, um apêndice com cara diferente da nossa. Essa é situação dos que se tornam dependentes de emoção, sensações eufóricas do amor desviado.
A droga nos pertence, só não percebemos que nós muito mais a ela pertencemos. Se torna a nossa paixão, a nossa vida.
Pode agregar outro ingrediente: nós perdemos nossos objetivos, anseios, metas já estabelecidas. Absorvemos as do outro, nos tornamos o outro. Tudo se mistura e a individualidade se perde. O que não é perdido na dependência, seja ela qual for?
Amamos a paixão por que ainda somos infantis e imaturos. A Humanidade é adolescente dentro de seu desenvolvimento e crescer dói, retardamos esse crescimento. Agarramo-nos ferozmente à paixão que nos absorve para não termos que enfrentar nossas verdades nem tão bonitas como gostaríamos infantilmente que fossem. O dependente é um imaturo em sua substância, uma criança que não abre mão de seu brinquedo, mesmo que seja um jogo que machuca e mata.
Esquecemos que somos humanos e que isso pode nos dignificar e não nos tirar o tesão de viver. Este reside na capacidade que temos de enfrentar o tempo que passa. Acreditamos que o tempo pode nos encolher, quando na verdade ele nos expande, nos torna mais compassivos, menos egoístas, se crescermos bem. Altera-nos e corrompe se olhamos apenas o exterior como é moda nestes tempos em que vivemos. O externo, a casca, o verniz se tornou mais importante do que a alma. Vivemos a Era Coca-cola, tudo é descartável como uma latinha de refrigerante. A vida principalmente, então não importa o quanto imundicemos nossos corpos, o quanto o coalhamos de porcarias as mais diversas.
Não somos eternos, pelo menos não na matéria, mas talvez o sejamos no espírito. E se formos eternos no espírito teremos posto fora a oportunidade de o expandirmos. Ele não reside em nosso corpo, mas em nossa alma, psique, ou seja lá o nome que queiram dar. A droga rompe nossa ligação com o Eterno, com a Espiritualidade que pode ser, para alguns, até um simples relacionamento humano.
Não podemos impedir o céu de chover, a noite de chegar, a planta de florescer, mesmo que isso, momentaneamente faça o sol adormecer, o dia descansar, a planta fenecer, mas podemos e muito intensamente brecar nosso desenvolvimento e a capacidade de estarmos em paz conhecendo a doçura do amor e permitindo que a paixão seja veículo de vida quando submetida aos padrões defensores de nossa integridade enquanto seres humanos que respeitam a natureza que reside dentro de nós e nos faz nascer, crescer e morrer.
Não sabemos se a morte é um fim em si mesmo. Amamos tanto a aparência que preferimos crucificar nossa alma em benefício dela.
A paixão não enaltece o amor, ela o banaliza. O transforma em emoção e não permite que se desenvolvam as raízes alimentadoras do amor, da tolerância para com a imperfeição do outro.
A paixão não é sentimento, é emoção e existe uma diferença visceral entre os dois. A primeira morre, é falível. O segundo é verdadeiro e intransferível. Ela é transitória, ele é permanente.
A paixão não fala, grita. O sentimento fala e nos conduz mesmo quando estamos desencontrados. Apenas ele pode nos mostrar nossa verdade e transformá-la se o questionarmos e direcionarmos. O sentimento sussurra, a emoção pressiona. O dependente tem medo de seus sentimentos por que foi acostumado a julgá-lo inferior e feio.
Quase não sabemos amar. O que chamamos de amor pelo outro é encantamento, magia, deslumbre. E como nos deslumbramos bem quando estamos encharcados de álcool, cocaína, ou qualquer outra coisa que transforme nosso comportamento e sentimento,
Apaixonamo-nos pelo amor sem conhecê-lo transferindo-o para sensações que afogam a si mesmas. Confundindo o outro e a nós. Nos confundindo com a personalidade dissonante que aprece ao nos drogarmos.
A paixão é engodo, é chama passageira. O amor permanece no continuar do tempo. A paixão é sexual, o amor é integral, contém sexo, mas não é apenas isso. A paixão é instante, o amor é desdobrar do tempo.
Como a paixão morre, morremos juntos um pouco, como o amor é contínuo, permanecemos mais presentes, mais permanentes. Como, enquanto dependentes, descartamos a continuidade por temê-la, o instante se torna o bem maior.
Estamos abertos à paixão quando nossa psique cansada de procurar desenvolvimento resolve tirar férias.
A paixão pode ser ótimo sinalizador de que alguma coisa, algum pedaço de nós que não encaixou no seu devido lugar dentro de nosso coração.
A paixão é flecha, o amor é alvo. Ela voa, ele aguarda.
Que bom analisar a paixão como veículo para questionar nossa estabilidade sempre transitória. Precisamos mudar. Transformarmo-nos. Tudo no Universo se movimenta, nós também. O movimento cósmico é percebido na trajetória dos astros, o movimento humano é percebido no anseio de reformular aonde e como estamos.
A paixão não necessita de pessoas, se satisfaz com objetos e neste momento é quando mais nos emburrece e nos torna coisa.
Parece que sem nos apaixonarmos por trabalho, drogas, situações, pessoas, estamos amorfos.
Ah, criança humana, cresce logo. Urge crescer. Urge nos tornarmos inteiros e não parte. Só o inteiro completa a parte que representamos na dança da Vida.
Amamos a paixão e não as pessoas. Amamos o estado e não o ser. Amamos a droga e não a nós mesmos.
Paixão da minha vida despeço-me de ti por que desejo viver e não apenas transitar.

Vana Comissoli