Companheiros,
Quem de nós sofreu ou sofre a maior dor?
Será que minhas dores são menores do que a de outros companheiros? Ou maiores? Será que dor pode ser mensurada?
Estamos preparados para suportar a dor que outra pessoa está suportando?
A dor vem sob medida?
Ouvi várias vezes em reuniões de A.A.: "Deus não nos manda uma dor que não possamos suportar", ou frases parecidas com esta. Muitas vezes achei quase uma ofensa.
Um padrinho, sábio e irritante costumava dizer para mim e quem mais estivesse precisando de apadrinhamento: "Vai passar". Irritava porque é como se ele não desse o devido valor à minha dor imensa, insuportável e, com certeza, eterna. Pensava eu enquanto não via possibilidades e achava que a vida estava acabada dentro de uma garrafa. Ele diminuía o valor da dor dizendo que ela era temporária. Não podia acreditar.
Tenho dores que parece não passar. Há três anos tive uma perda de um ente querido e que todos os dias, eu digo, todos os dias, todos, sem exceção, todos os dias, isto dói. Ás vezes dói menos, às vezes mais. Às vezes parece insuportável. Às vezes eu choro perdidamente. Ninguém vê onde quebrou, onde amassou, porque é que está doendo. Às vezes eu tenho que falar disso com alguém, ajuda a espera de dor passar.
Preces ajudam. Entrar na Internet para tirar de minha cabeça as besteiras que passam por ela... Me agarrar com meu marido que está perto e sabe como sofro. Dói nele também, mas ele sabe que em mim dói mais. Talvez porque eu não tenha todos os anos de sobriedade que ele tem, talvez porque ele tenha outras dores que doem ainda mais.
E tem dor, tem medo que eu nem posso partilhar com ele. Tenho que me fazer de forte. Mas eu não sou assim tão forte, nem tão sóbria, nem tenho tanta fé. Mas eu preciso ter. Eu estou tentando. Escolhemos essa dura partilha e temos que nos fortalecer mutuamente. Desde que meu companheiro partiu sem volta, minha cabeça roda e todos os medos escondidos debaixo do tapete saíram e ficaram expostos.
Eu nunca estive em acidente de carro, nunca perdi um emprego, nunca fiquei sem casa, nunca dormi na rua, nunca isto, nunca aquilo. Mas eu te garanto, eu já sofri à beça. Nem todo meu sofrimento foi porque eu estava bebendo, mas eu bebi muitas vezes porque eu estava sofrendo e achava que bebendo ia fugir da dor. Não deu certo. E a coisa inverteu: a bebida trouxe mais dor.
É muito complicado. Mas acho que o filósofo Caetano explicou: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Cada um com sua dor. Cada um de nós sabe o quanto custou chegar até aqui. Algumas pessoas têm a mania irritante de quando se está mesmo para baixo, precisando de compaixão, de alguém que entenda... etc. dão sempre a mesma tarefa: a lista da gratidão. Era para eu listar as coisas pelas quais eu estava agradecida. Na primeira vez que recebi a tarefa eu estava tão brava e tão longe de estar sóbria, embora não estivesse bebendo, que eu achei que não ia ter nada para listar. Não que eu não tivesse nada, embora eu achasse que não tinha nada. É que eu não estava agradecida por nada.
Mas o tempo passa, fui, lentamente me afastando da garrafa, a consciência de que o tamanho da dor era infinitamente aumentado por ela. O álcool traz depressão quando o corpo grita por ele. Só quando estamos no meio do furacão é que não vemos assim. É tão cômodo sofrer e lastimar! Isso permite que beba de novo e de novo. A dor como eu a via era fruto de minha dependência.
Tenho dores, todos têm. Sem ela talvez a vida nada acrescentasse porque somos muito pequenos, quase crianças ainda e não valorizamos aquilo e aqueles que nos cercam. A dor não é castigo dos céus, ela é processo de aprender a ser feliz.
A dor não é falsa quando se manifesta, embora possa ser criada, ou aumentada.
E creia, é bem mais fácil criar alegria, bem mais útil e bem mais leve.
Não leve sua dor tão a sério, não vale a pena. Saia da garrafa, ou da droga. Isso vale a pena.