segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A AMANTE - POESIA


para os parceirinhos que se afogaram no crack
meu coração despedaçado.



Envolta em véus incensados te mostraste.
Olhos perdidos no sem fim dos devaneios.

Quente, purpúrea, doce visão.

Abraço pagão no meu peito abrasado.

Em segundos a teus pés me tiveste.

Esqueci o dia, a noite.

O que era e o que não era,

só em ti enrodilhado.

Na cama de teu desejo caí flagelado.

Tuas pernas, de coxas nuas,

a me chamarem através das luas.

Quebrei os horizontes,

rompi as pontes,

roubei os atalhos,

contigo para sempre deitado.

O ruído do lá fora estancado.

Meu coração estalando,

as veias saltando.

Eu encontrei a vida, pensei em paixão.

Nada, nem ninguém de ti me arrancaria.

Foram-se os passares,

os andares que trilhei.

Crash, crack, escrancho.

Por tua androgenia me fascinei.

Espelho quebrado, cacos e sangue.

Alma vendida

furor parido.

Como me enganei!

SOLIDÃO E MEDO - UM DESAFIO A SER SUPERADO



A prática de muitos anos atendendo pessoas mostrou-me que a condição humana é bastante marcada, mais do que qualquer um de nós gostaria, pelo sofrimento. Estamos nele como os peixes nadam na água. A tristeza, o padecimento, a aflição brota para nós de diferentes fontes: problemas amorosos, sentimentais, afetivos, familiares; falta saúde, dinheiro, emoções, expectativas construtivas. A lista é longa e transborda de mágoas.
O que vem chamando minha atenção nos últimos meses, porém, é o aumento de uma queixa ligada à solidão. Excessiva, ela parece se adensar a cada dia de forma exorbitante, arrastando consigo homens e mulheres, gentes jovens, adultos, pessoas mais variadas, indistintamente.
Luxo atualmente é ter uma amizade. Simples assim! O teste maior do sucesso ou do fracasso de uma sociedade deveria ser medido pelo patamar do crescimento de vida solidária, em relação ao volume de troca humana legítima, socialmente útil e compensatória que ela promove. Uma sociedade justifica-se quando orientada para a lealdade, a confiança, o sentimento de segurança. Pensemos por um minuto. É isso que temos? Nossa vida comum cura ou dispersa o medo? Aumenta ou derrota a incerteza? A necessidade de fuga para algum lugar secreto se torna premente? Existe esse lugar?
Como resolver essa perplexidade? Não hesitar em alcançar um estado de conhecimento e clareza acerca da dor e da nossa própria finitude que possa, funcionando como conscientização da nossa precariedade, indicar que o desenvolvimento material que dispomos não representa nada se nos diluímos enquanto pessoa e deixamos os valores cardeais da condição humana escorrer das nossas mãos.
Compreender a singularidade do outro é indispensável para construir uma relação e permitir assim que se desdobre uma amizade verdadeira. Olhar o outro sem preconceito e de forma tolerante, nega o egoísmo e a superficialidade corriqueira dos relacionamentos humanos atuais. Precisamos deixar de querer ver estampado no rosto alheio um pouco daquilo que nós mesmos somos. Aceitar ver o outro tal qual é, sem medo de vermos a nós mesmos.
É um erro do acomodamento humano preferir modificar o outro, em vez de modificar a si mesmo. Devemos desprezar e reprovar menos. Escapar da lógica que exclui, para ampliar a diversidade das perspectivas humanas. Esse treino para a alteridade é o exercício que pode conduzir para fora dos nossos bloqueios defensivos. Abrir o horizonte de uma vida menos solitária, mais plena e repleta de significado e experiências interessantes.
Para o dependente significa esvaziar-se do medo de ser julgado e do terrível medo do contato com o outro que parece uma ameaça, uma traição iminente. A traição está na fuga, na solidão dos bares, das agulhas, dos comprimidos que prometem um êxtase escuso, do pó que entorpece e aprisiona.
Aceite-se e aceite a vida tal qual é, mesmo sabendo que ela não é justa. Não clame por justiça ou por compreensão se não consegue aceitar e perdoar a si mesmo e conviver consigo com alegria e sem medo de trair-se.

* Baseado em texto de Gold, Marina – Terra Esotérico

A DOR DA DEPENDÊNCIA


Companheiros,
Quem de nós sofreu ou sofre a maior dor?
Será que minhas dores são menores do que a de outros companheiros? Ou maiores? Será que dor pode ser mensurada?
Estamos preparados para suportar a dor que outra pessoa está suportando?
A dor vem sob medida?
Ouvi várias vezes em reuniões de A.A.: "Deus não nos manda uma dor que não possamos suportar", ou frases parecidas com esta. Muitas vezes achei quase uma ofensa.
Um padrinho, sábio e irritante costumava dizer para mim e quem mais estivesse precisando de apadrinhamento: "Vai passar". Irritava porque é como se ele não desse o devido valor à minha dor imensa, insuportável e, com certeza, eterna. Pensava eu enquanto não via possibilidades e achava que a vida estava acabada dentro de uma garrafa. Ele diminuía o valor da dor dizendo que ela era temporária. Não podia acreditar.
Tenho dores que parece não passar. Há três anos tive uma perda de um ente querido e que todos os dias, eu digo, todos os dias, todos, sem exceção, todos os dias, isto dói. Ás vezes dói menos, às vezes mais. Às vezes parece insuportável. Às vezes eu choro perdidamente. Ninguém vê onde quebrou, onde amassou, porque é que está doendo. Às vezes eu tenho que falar disso com alguém, ajuda a espera de dor passar.
Preces ajudam. Entrar na Internet para tirar de minha cabeça as besteiras que passam por ela... Me agarrar com meu marido que está perto e sabe como sofro. Dói nele também, mas ele sabe que em mim dói mais. Talvez porque eu não tenha todos os anos de sobriedade que ele tem, talvez porque ele tenha outras dores que doem ainda mais.
E tem dor, tem medo que eu nem posso partilhar com ele. Tenho que me fazer de forte. Mas eu não sou assim tão forte, nem tão sóbria, nem tenho tanta fé. Mas eu preciso ter. Eu estou tentando. Escolhemos essa dura partilha e temos que nos fortalecer mutuamente. Desde que meu companheiro partiu sem volta, minha cabeça roda e todos os medos escondidos debaixo do tapete saíram e ficaram expostos.
Eu nunca estive em acidente de carro, nunca perdi um emprego, nunca fiquei sem casa, nunca dormi na rua, nunca isto, nunca aquilo. Mas eu te garanto, eu já sofri à beça. Nem todo meu sofrimento foi porque eu estava bebendo, mas eu bebi muitas vezes porque eu estava sofrendo e achava que bebendo ia fugir da dor. Não deu certo. E a coisa inverteu: a bebida trouxe mais dor.
É muito complicado. Mas acho que o filósofo Caetano explicou: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Cada um com sua dor. Cada um de nós sabe o quanto custou chegar até aqui. Algumas pessoas têm a mania irritante de quando se está mesmo para baixo, precisando de compaixão, de alguém que entenda... etc. dão sempre a mesma tarefa: a lista da gratidão. Era para eu listar as coisas pelas quais eu estava agradecida. Na primeira vez que recebi a tarefa eu estava tão brava e tão longe de estar sóbria, embora não estivesse bebendo, que eu achei que não ia ter nada para listar. Não que eu não tivesse nada, embora eu achasse que não tinha nada. É que eu não estava agradecida por nada.
Mas o tempo passa, fui, lentamente me afastando da garrafa, a consciência de que o tamanho da dor era infinitamente aumentado por ela. O álcool traz depressão quando o corpo grita por ele. Só quando estamos no meio do furacão é que não vemos assim. É tão cômodo sofrer e lastimar! Isso permite que beba de novo e de novo. A dor como eu a via era fruto de minha dependência.
Tenho dores, todos têm. Sem ela talvez a vida nada acrescentasse porque somos muito pequenos, quase crianças ainda e não valorizamos aquilo e aqueles que nos cercam. A dor não é castigo dos céus, ela é processo de aprender a ser feliz.
A dor não é falsa quando se manifesta, embora possa ser criada, ou aumentada.
E creia, é bem mais fácil criar alegria, bem mais útil e bem mais leve.
Não leve sua dor tão a sério, não vale a pena. Saia da garrafa, ou da droga. Isso vale a pena.